OS FILMES QUE FAZEM PARTE DA 3ª MOSTRA PONTO DOC
- ombu produção
- 14 de out.
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Selecionar filmes é também mapear formas de pensar e registrar o tempo, ou o que aquele ou este tempo mostram como indícios. Nesta mostra, 31 obras da seleção oficial e 16 convidados se articulam em torno de um gesto curatorial que dialoga com a preservação audiovisual, com o arquivo enquanto material e conceito, e com a memória como presença ativa na imagem em movimento. Este recorte, como todo gesto curatorial, é necessariamente incompleto: muitos filmes ficaram de fora, pelo limite de uma mostra e pela necessidade de compor uma seleção que seja oferecida ao público de Três Tílias/SC e, ao mesmo tempo, se conecte com as conversas e práticas que atravessam o cinema brasileiro contemporâneo. Documentários e ficções, arquivos encontrados ou reconstruídos, formam um território de investigação em que cada filme propõe relações entre passado e presente, entre a materialidade do cinema e a experiência de vê-lo hoje. Escolher filmes, aqui, é construir constelações de sentido, pensar o arquivo e o cinema em relação como dispositivos de conhecimento e invenção, aproximando os públicos de todas as idades do assunto.
Os filmes na Mostra.doc não estão apenas nas sessões:
Seleção oficial
A curadoria de filmes da Mostra.doc une o Brasil através da memória. São vários os brasis e várias as memórias — todos bem representados na escolha dos 31 filmes que compõem essa lista de eleitos.
Escolhidos pela curadoria do evento entre mais de 500 inscritos (582, para ser exato), a seleção conta com produções de todas as regiões do país, sendo representados pelos estados de Alagoas, Bahia (cinco filmes), Ceará (dois filmes), Distrito Federal, Espírito Santo (dois filmes), Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio de Janeiro (três filmes), Rio Grande do Norte (dois filmes), Rio Grande do Sul (três filmes), Santa Catarina (dois filmes) e São Paulo (cinco filmes).
O momento atual do cinema brasileiro está caracterizado pela diversidade de vozes, pelo fortalecimento de narrativas periféricas e regionais e pela investigação de novas formas de expressão audiovisual. Essa vitalidade tem sido impulsionada por políticas públicas, como a PNAB (Política Nacional de Audiovisual Brasileiro), assim como por editais e fundos estaduais e municipais, que possibilitam o surgimento de novas produções, sobretudo de curtas-metragens. E com filmes que utilizam arquivos não seria diferente.
A seleção oficial oferece um pequeno panorama do cinema brasileiro contemporâneo, revelando como temporalidades, territórios e poéticas se cruzam em torno de experiências humanas singulares. Mais do que registros isolados, os filmes articulam conjuntos que se respondem, tensionam e se complementam, proporcionando múltiplas leituras sobre memória, identidade, ancestralidade e assuntos emergentes.
Obras como “A cidade que tinha um cinema” (Daniela Farina, SC, 2025), “Dois Nilos” (Samuel Lobo e Rodrigo de Janeiro, RJ, 2024) e “O despertar de Aiyra” (Duda Rodrigues e Juliana Rogge, SP, 2024) exemplificam como essas políticas públicas fomentam diversidade temática, inovação estética e pluralidade de olhares regionais.
Um primeiro conjunto evidencia a memória coletiva e as trajetórias individuais, explorando a relação entre passado e presente. “Praça Amazonas” (Ramiro Quaresma, PA, 2024) e “Compram-se memórias e cartas de amor” (Cristina Neves e Ruan Bertuce, SP, 2024) demonstram a potência do arquivo e da lembrança como instrumentos de invenção poética e histórica. Conforme refletia Paulo Emílio Salles Gomes, “o cinema tem a capacidade de ser um repositório sensível da memória social e de atuar como território de invenção cultural; essas obras exemplificam essa perspectiva ao transformar pequenas histórias em narrativas universais de experiência e pertencimento”.

Outro conjunto se concentra na relação com territórios e modos de vida específicos, destacando práticas culturais, sociais e ambientais: “Cavalo marinho” (Gustavo Serrate, ES, 2021) e “Acupe” (Rafa Martins, BA, 2024) exploram manifestações culturais locais; “Luta da erva” (Márcia Paraíso, SC, 2024) e “Mãos à terra” (Sérgio Guidoux, RS, 2025) revelam a interação entre comunidades e práticas de produção alimentar e ambiental; “Néctar do tempo” (Pedro Rodrigues, BA, 2024) amplia o olhar para uma relação sensível e ancestral com a natureza. Seguindo a reflexão de Eduardo Coutinho, que via o documentário como uma experiência de escuta e encontro com a verdade humana, essas obras demonstram como o cinema captura e revela vidas singulares, carregadas de experiências coletivas e afetivas.
Há também um grupo dedicado ao corpo, à identidade e à experiência social, atravessando gênero, raça, deficiência e relações familiares: “À flor da pele” (Danielle Villanova, RJ/BA, 2024), “Tá fazendo sabão” (Ianca Oliveira, BA, 2022), “Pupá” (Osani, RN, 2024) e “Uma em mil” (Jonatas Rubert e Tiago Rubert, RS, 2025) exploram a infância, a autonomia e a singularidade de diferentes corpos. Filmes experimentais e ensaísticos como “Preto e branco” (Isadora Castro, SP, 2025) e “Pelas ondas lambem-se as margens” (Hyndra, BA, 2022) ampliam essas questões, refletindo sobre o feminino, a objetificação e a poética do corpo.
O fazer artístico e as manifestações musicais como ícones de grupos culturais são representados por “Ginga reggae” (Naýra Albuquerque, MA, 2024), que narra a história do reggae maranhense a partir da experiência de Célia Sampaio; “Black house: jazz é o corre” (Amílcar Neto, SP, 2025) evidencia o papel do jazz como prática de resistência periférica; “Manoel Loreno: improviso e paixão” (Enzo Rodrigues, ES, 2025) e “Viva Marília” (Zelito Viana, RJ, 2025) celebram trajetórias de artistas, com fama e espaços distintos, que constituem legados significativos para a cultura brasileira e fazem parte do imaginário coletivo.

Para além da seleção oficial, filmes convidados e nos arredores das sessões
O público pequeno, grande público
Além dos 31 filmes da seleção oficial, a organização da mostra também se dedicou a pensar sessões para todas as faixas etárias e fez uma curadoria de filmes convidados para suprir quatro sessões de filmes para primeira e segunda infância e público infantojuvenil. Este volumoso público dificilmente acessa cinema brasileiro, ainda mais de curta-metragem.
Como trazer documentários ou filmes que se relacionam com o arquivo para este público? Do documentário à ficção e à animação — a curadoria selecionou mais 16 filmes que deixam evidente a possibilidade de tratar de assuntos que envolvem a memória a partir do arquivo em qualquer idade. O conjunto de filmes convidados aborda coleções, lembranças e retomadas de culturas regionais do cantar, brincar, produzir alimento e da vida cotidiana.
Em cartaz nos cinemas do Brasil
— e aqui, que é Brasil também, mas não tem cinema.
Quem se interessa por cinema acompanha os últimos lançamentos e a programação dos novíssimos do cinema brasileiro em cartaz. Nós, que estamos no interior do Brasil, também acompanhamos, mas dificilmente conseguimos assistir, pela dificuldade de acessar salas de cinema. Foi assim que nos conectamos com a produção do filme “Seu Cavalcanti”, dirigido por Leonardo Lacca.

O filme aborda a ideia de arquivo a partir do ambiente familiar, em que Leonardo filma incessantemente seu avô, transformando esses registros em uma homenagem cinematográfica. O diretor, integrante das equipes de filmes indicados ao Oscar, gentilmente compartilhou sua obra conosco, permitindo que seja exibida simultaneamente ao período de exibição nos cinemas brasileiros. Com leveza e humor, o filme revela formas simples e profundas de fazer do arquivo um cinema de invenção. Esta sessão especial conecta-nos ao restante do país, apresentando uma produção contemporânea que dialoga com os debates atuais sobre memória e cinema.
Sessão homenagem
Nesta edição, escolhemos Lena Bastos, cineasta catarinense, para homenagear. Desta sessão, teremos um curta produzido pela própria Mostra.doc e a exibição de seu filme “Bruxa Viva”.
Sessão Arquivo Vivo
Antes mesmo da mostra começar, ela já tinha começado, quando exibimos os filmes resultantes da Oficina Arquivo Vivo: fazendo cinema sobre Joaçaba e Treze Tílias. No último dia de mostra, faremos uma exibição de resultado com 11 filmes realizados por alunos do 8º ano 2 da Escola Municipal Irmã Filomena Rabelo Colla, onde as famílias e a cidade poderão assistir aos exercícios de transformar o acervo de fotografias de Andrä Thaler em pequenos curtas-metragens.
Na exposição
Na exposição “Cinema mulher: correntes e confluências do cinema catarina”, teremos a presença de exibição de mais cinco filmes dirigidos por mulheres que estarão instalados na galeria.
Ao se cruzarem, esses conjuntos revelam o que caracteriza esta seleção: variedade de formas e durações, atenção ao cotidiano e uma reflexão crítica sobre pertencimento, memória e construção de identidade. Eles evidenciam como o cinema brasileiro contemporâneo, apoiado por políticas públicas e nutrido por diferentes tradições regionais, é plural, inventivo e politicamente engajado. O que une essas obras é a capacidade de transformar o cinema em um campo de invenção, escuta e resistência — oferecendo imagens, experiências sensoriais, afetivas e políticas que nos convidam a pensar o Brasil em sua pluralidade e complexidade contemporânea.
Essa diversidade de perspectivas soma 66 filmes distribuídos em mais de 32 horas de exibição para o público em geral!

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